sexta-feira, 16 de março de 2012

Crianças desfrisam cabelo para atrair pretendentes a mando das mães



Ster Jemusse, de nove anos, senta-se, apoiada nos pés, símbolo de respeito, e assiste a um bailado de "valimba", uma dança tradicional para alegrar a chegada duma autoridade à região. O seu cabelo desfrisado revela a importância do momento.
"A minha mãe desfrisou o cabelo para eu ficar mais bonita. Eu e minha irmã mais velha (tem 13 anos) cuidamos do cabelo sempre que vamos à escola ou saímos para passear, apenas usamos lenço quando for para acarretar água" disse à Lusa Ster Jemusse, em pleno mato no centro de Moçambique.


Nos distritos de Machaze e Mossurize, na região sul de Manica, centro de Moçambique, as crianças usam pedra em brasa e óleo vegetal, de cozinha, para desfrisar o cabelo, para ficarem mais bonitas e assim se candidatarem ao casamento, pois, diz-se, essa atitude mostra a maturidade da mulher.

A pedra é aquecida numa fogueira, geralmente de lenha, até ficar em brasa. Depois retira-se, passa-se no óleo vegetal e esfrega-se levemente sobre o cabelo, até este ficar com uma forma lisa.

"Aquece muito a cabeça na hora que passam a pedra, mas não dói por muito tempo. Não sei porque a minha mãe me disse para pôr o produto mas acho que era para ficar mais bonita como outras meninas que estão aqui", disse à Lusa Rebeca Ezequiel.

Na região, o desfrisar do cabelo pode candidatar qualquer criança a um casamento prematuro, por via de lobolo, um ritual tradicional, que se resume no pagamento de um dote à família da noiva, em dinheiro e/ou gado, para legitimar um matrimónio. 
Várias crianças na região, sobretudo do sexo feminino, são obrigadas a casar muito cedo pelos progenitores (algumas são apalavradas no ventre da mãe), que procuram ganhar, do marido, dotes que variam de três a 15 mil randes (300 a 1.500 euros). Os homens pobres desbravam, a favor dos pais da noiva, inúmeros hectares de terra para serem aceites como genros.

As crianças com um pouco mais de poder económico, na maioria filhas de mineiros, usam produtos mais modernos trazidos pelos pais da África do Sul, mas não menos prejudiciais, segundo alertam as autoridades sanitárias da província de Manica.

"Tenho registado alguns casos de queimaduras na cabeça de crianças. Os casos com gravidade mando para o hospital de referência em Espungabera", a sede de Mossurize", disse à Lusa João Twenty, socorrista da região de Muchenezi, em Mossurize.

Não existem estatísticas oficiais do número de crianças que procuraram os serviços de saúde, após a aplicação do produto, mas as autoridades alertam para os riscos de queda de cabelo, danificação do couro cabeludo e aquecimento do cérebro.

"Porque a cabeça da criança ainda está em crescimento, o efeito da temperatura (da pedra e óleo) pode criar problemas de queda de cabelo na fase adulta, ou mesmo danificar o couro cabeludo se a pedra atingir a pele", explicou à Lusa a pediatra Ester Fernando.

Especialistas desaconselham a "prática rudimentar" para o tratamento de cabelo nas crianças e ou mesmo em adultos, por as temperaturas do aquecimento da pedra não serem benéficas, na medida que esta sai da brasa para a cabeça.

"No tratamento do cabelo há regras, que nesta prática não são observadas, por isso os danos estéticos e de saúde do próprio cabelo podem ser graves. Muitas poderão até ficar carecas na fase adulta", disse à Lusa a cabeleireira Elina Lopes.

Elina Lopes chama a atenção para a necessidade de se desenvolver uma campanha de sensibilização naquela população sobre os riscos de "procurar beleza em pedra e óleo".

Retirado do blog

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